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Arquivo : Elia Kazan

George Harrison e o pai de Madonna e Tarantino
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Daniel Benevides

Se Elia Kazan foi o pai de Martin Scorsese, o próprio Scorsese é o pai de Madonna e Quentin Tarantino.

A primeira afirmação é fácil de explicar: Scorsese já declarou o quanto foi influenciado por Kazan, diretor dos clássicos “Sindicato de Ladrões”, “Vidas Amargas” e outros. Mais que isso, dirigiu um documentário sobre o mestre, que será exibido na Mostra de São Paulo.

Já a segunda talvez exija a locação de um DVD para entender. Foi o que eu fiz, inadvertidamente, ao ver o filme de estreia de Scorsese, “Quem bate à minha porta”, estrelado pelo amigo Harvey Keitel.

Praticamente um filme de pós-graduação, demorou cerca de quatro anos pra ficar pronto: Scorsese começou a filmar em 1965 e o título só apareceu num luminoso em 69. Isso por conta de grana, falta de tempo, dificuldade de agenda, dúvidas sobre o roteiro etc. Keitel tinha algum emprego burocrático na época e tinha de sec desdobrar para comparecer ao set, onde chegava a dormir, tamanho o empenho.

Valeu o esforço – o resultado é fascinante. Quando surgem os letreiros finais, fica a impressão de que estava muito adiante do seu tempo. Muito do que Tarantino popularizou em “Cães de Aluguel” e “Pulp Fiction” já estava lá, trinta anos antes: o uso criativo de música pop/rock/cool, os planos inusitados, nunca óbvios, a vida marginal e violenta dos personagens, o figurino vintage, as referências cinematográficas explícitas, os diálogos casuais e aparentemente deslocados, quase como sketches independentes do enredo. E por aí vai. Viciado em cinema, Quentin deve ter colocado os fotogramas desse filme numa seringa e tomado uma overdose.

E Scorsese vai ainda mais longe, misturando sexo livre à culpa cristã, imagens de mulheres e homens nus a closes de santos e Jesus na cruz, e tendo ao fundo a “piscanalítica” ‘The End”, dos Doors. A porta do confessionário se funde à porta da mulher desejada; os pés de Cristo confundem-se com as curvas de uma amante na cama; o olhar compungido de uma santa surge em fusão com uma cena de estupro. Keitel beija a imagem do Salvador e um filete de sangue escorre por sua boca. Impossível não pensar naquele famoso clipe da Madonna e seu Jesus negro, ou mesmo na forma como La Cicconne sempre misturou ícones católicos e imagens sexuais.

Relativamente pouco comentado, assim como o incrível “Alice não mo0ra mais aqui”, outro grande filme do começo da carreira de Scorsese, “Quem bate à minha porta” merece o crédito de pioneiro de uma estética que hoje virou quase regra entre moderninhos e descolados. Foda, pra dizer o mínimo.

“Taxi Driver”, no entanto, também um filmaço, continua a fazer barulho. E tem também espaço na Mostra de São Paulo, onde será exibido com cópia restaurada.

Outro Scorsese exibido recentemente no Brasil é “Living in the Material World”, documentário sobre o beatle silencioso, George Harrison. Agora no fim de novembro fará dez anos de sua morte. Escrevi há um tempo um perfil dele para a revista Vida Simples. Ficou bacana, tá aqui.

 


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