Blog do Daniel Benevides

Dois grandes filmes. Ou: o que Tilda Swinton e Nanni Moretti têm em comum

Daniel Benevides

Definitivamente os italianos têm estilo – ao menos no cinema. Antonioni e Bertolucci, por exemplo, são dois incapazes de um plano chocho, sem graça. A lista é grande, e inclui Fellini, Argento, Bellocchio e tanti altri.

A cada filme, Nanni Moretti mostra que está nessa liga. Seu Habemus Papam é dos filmes mais elegantes e inteligentes dos últimos anos. Para começar, porque consegue a façanha de ser engraçado de chorar de rir e ao mesmo tempo profundamente melancólico. Complexo e propenso a várias interpretações, é de uma ironia demolidora com o Vaticano, mas também respeita, de alguma forma, o insondável da espiritualidade.

Ver os pomposos e hipócritas cardeais brigando num jogo de cartas e se esfalfando num torneio improvisado de vôlei, ou ainda cantando e dançando ao som de Mercedes Sosa, enquanto esperam a recuperação psicológica do papa recém-eleito é dos grandes momentos do cinema atual. Buñuel deve ter gargalhado do túmulo.

O francês Michel Piccoli oferece uma das melhores interpretações da sua carreira. Seu olhar de cansaço e perplexidade quando se vê nas vestes do sumo pontífice; seus acessos de pânico e irritação desesperada; sua nostalgia de uma juventude nunca aproveitada; seu gentil enfado com as manifestações de adoração inútil…Tudo nele é de uma grandeza humana que nos deixa pensativos e comovidos, entre as risadas proporcionadas por Moretti, no papel do psiquiatra (obviamente ateu) contratado para levantar o ânimo do papa.

Tilda
Tilda Swinton, em Um sonho de amor (péssima tradução para Io sono l’amore), também faz um dos melhores papéis de sua vida. E o diretor Luca Guadagnino desponta como bela promessa, mostrando as mesmas qualidades do melhor cinema italiano. Num ambiente aristocrático, imerso em rígida etiqueta e portanto algo claustrofóbico, uma família vai ruindo à medida em que os valores tradicionais vão dando espaço às liberdades de escolha.

Mãe de postura digna, mas que também sabe ser afetuosa, linda como nunca (Swinton é multiforme: consegue ocupar todo o espectro estético, da beleza à feiura), ela se apaixona pelo melhor amigo de seu filho favorito (e talvez mais do que isso, não fica claro), um jovem chef, tímido e talentoso, figura solitária e misteriosa. O que se segue é uma tragédia grega com as cores da discrição cheia de receios da alta burguesia. Não há gritos, mas sussurros; o choro é silencioso, as discussões são secas, o figurino nunca deixa transparecer o desalinho dos sentimentos. Em contrapartida, o amor é solto, naturalmente selvagem, inocente até, mesmo em sua intensidade quase incestuosa. A trilha é extraordinária, de autoria de John Adams, talvez o maior compositor vivo de música erudita contemporânea.

São dois filmes no fundo parecidos. Descascam a pompa dos poderosos e revelam a angústia dos que, presos na teia das aparências, anseiam por liberdade de sentimentos, desejos e atitudes.