Blog do Daniel Benevides

Arquivo : Damien Hirst

Neste Dia da Criança, dê um Jeff Koons de presente
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Daniel Benevides

A infância é uma região de traumas e desejos inconfessáveis, dizia Freud, mas no senso comum é também a região da felicidade perdida (o que pode ser a mesma coisa), ou simplesmente sinônimo de felicidade (o que já é bem diferente).

O superartista plástico Jeff Koons, mentor da legião do neopop, e criador de enormes balões infláveis feitos de aço, que, na melhor das hipóteses, sugerem um balanço transcendente de materiais, parece acreditar mesmo na definição mais simples.

Na sabatina da qual participei, promovida pela Folha de S.Paulo e UOL, em que o artista, um dos principais nomes da exposição Em Nome dos Artistas – Arte Contemporânea Norte-Americana na Coleção Astrup Fearnley (que tem ainda os sensacionais Matthew Barney, Cindy Sherman e o também controvertido Damien Hirst), respondeu a perguntas de críticos e jornalistas, e também do público e internautas, Koons colocou-se como o arauto da arte como autoajuda, um papel que surpreendeu boa parte da plateia presente no Auditório Ibirapuera e também meus colegas de “mesa”, os críticos Fabio Cypriano, Lisette Lagnado e a editora da Ilustrada Fernanda Mena.

Candidamente, aquele que muitos pensavam ser o Grão-mestre da ironia e cinismo, desfiou sua teoria estética de salvação: a arte, quando remete a confortadoras lembranças de um passado de idílio infantil, seria capaz de afastar a ansiedade provocada pela turbulenta contemporaneidade.

Cicciolina
Compondo a cena de seu discurso, Koons, famoso pelas polêmicas provocadas com as esculturas em que aparece trepando com a então mulher, a atriz pornô e ex-deputada na Itália, Cicciolina, envergava um terno sóbrio de pastor adventista ou consultor de marketing.

Metade do público exultava a cada exibição de slides de sua obra, que inclui um gigantesco cãozinho feito de flores e monumentais bexigas em forma de cachorro e coelho, moldadas em aço. Mais que isso, parecia exultar a cada declaração desconcertante, aparentemente ingênua, do tipo “sou um romântico”. E, pelo que eu soube mais tarde, muitos ficaram pessoalmente ofendidos com a suposta agressividade de nós, sabatinadores.

O enigma ficou instalado na garganta: afinal, Koons é um gênio, como se autoproclamava seu ídolo na adolescência, o histriônico Salvador Dali, ou uma espécie de Forest Gump, alguém que meio por acaso, sem os atributos necessários, ganhou espaço na História?

Conversando com a artista Lucia Koch, fiquei convencido de que a resposta é : nem um nem outro. Koons tem sim um lado genial, que se afirma quando vemos de perto algumas de suas obras expostas no prédio da Bienal. O estranhamento que provoca a tensão dos materiais, o aço que “flutua” e é “translúcido” (no caso dos incríveis balões), ou o suporte que se mescla à suposta escultura (caso da centopéia na escada, ambos fundidos numa só peça de alumínio), e principalmente o equilíbrio fascinante das bolas de basquete imersas num tanque de água (para muitos, sua melhor obra) fazem jus aos exaltados elogios.

Conceitual naïf
Ao mesmo tempo, fica a impressão de uma arte que é conceitual, e portanto cerebral, “inteligente”, “bem sacada”, fenômeno cínico de marketing, mas também naïf, feita de paixão juvenil e brilho involuntário (e não por isso menos impressionante). E isso mais por conta de suas justificativas à Paulo Coelho (com um quê de Walt Disney – quase perguntei se ele já tinha pensado em criar uma Koonsland, um pouco como a terra perdida de um dos ícones que retratou em porcelana, Michael Jackson).

É possível que, como disse Lúcia, ele tenha mudado em algum momento (talvez depois do sofrido rompimento com Cicciolina), tenha cansado do papel de cínico manipulador de imagens pop, e tenha preferido justamente criar um novo personagem, bem menos óbvio, bem mais provocador, que é esse Jeff Gump, esse pastor que prega a felicidade pueril pela arte, que afirma, em tom conscientemente ou inconscintemente demagógico, que o artista tem de estar onde está o desejo mais imediato do espectador, o desejo de esquecer contextos, teorias e responsabilidades, e lançar-se sem culpa à fruição de uma acolhedora infantilidade.


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