Ave Marilyn
Daniel Benevides
Um livro com textos íntimos, fotos raras em que aparece seminua, revelações biográficas. Não há como errar: toda notícia nova sobre Marilyn Monroe irá despertar a curiosidade de qualquer pessoa, de carolas a junkies, de banqueiros a intelectuais.
Grande parte desse fascínio é mérito da própria atriz; mérito de suas curvas, de sua boca convidativa, de seu jeito de garota perdida na noite, que quer se encontrar nos braços de quem souber confortá-la e fazê-la sorrir, de sua voz, também cheia de curvas, infantil e provocante.
É uma adoração que se estende já por décadas, com direito a imagens sagradas, como os retratos de Warhol e a foto com o vestido esvoaçante, que teima em mostrar sua calcinha. O canto bêbado de parabéns ao presidente Kennedy já virou litania; a cicatriz revelada por Bert Stern tornou-se chaga; logo mais deve surgir algum tipo de santo sudário, quem sabe o lençol que ela usava no dia de sua morte, com resquícios de sua imaculada saliva, de seu imaculado baton…
Que o mundo inteiro é voyeur em alguma medida é óbvio. Mas porque a persistência de alguns mitos e outros não? O que realmente mantém Marylin no altar das fantasias, na cruz dos prazeres? Por que não Greta Garbo ou Rita Hayworth (pra ficar só no star system de Hollywood)?
Morrer jovem, bela e em circunstâncias misteriosas “ajuda”, mas não explica tudo. Arrisco dizer que uma das razões está no fato de que ela se confundiu à imagem de seu tempo. Por onde se pense os anos 50 e 60, lá está ela: na política, ao lado dos Kennedy; no esporte, com o primeiro marido, o ídolo do baseball Joe DiMaggio; na literatura, depois que se casou novamente, dessa vez com o dramaturgo Arthur Miller (e mais tarde, por meio das biografias romanceadas por Norman Mailer e Joyce Carol Oates); nas artes plásticas, através de Warhol; na discussão sobre sexualidade e feminismo (Camille Paglia falava sobre o descompasso entre a encarnação do símbolo da liberdade sexual e sua real fragilidade, vulnerabilidade). E ainda há o cinema, a música e as mil teorias conspiratórias em torno da sua história breve e intensa.
Mas a adoração de Marylin tem também algo de conformismo. Mesmo ateus e agnósticos que veneram (“culturalmente”) sua imagem platinada mostram a necessidade de montar um panteão e colocar ali uma deusa. É o impulso atávico de plantar totens do “eterno” que sirvam de referência para marcar nossa transitoriedade, nossa precariedade, nossa impossibilidade de ser mais do que somos.
E em todos os sentidos não há totem (nem tabu) melhor que esse. A imagem de Marilyn tem um frescor de outro mundo. Nas fotos em que aparece seminua, como estas agora reveladas, feitas no set de “Something’s Got to Give”, filme inacabado, sente-se a temperatura de seu corpo, a maciez de sua pele, a consistência de sua carne. E isso porque ela está sempre nos chamando da jaula do inconsciente; tornamo-nos íntimos dela, é como se a víssemos todos os dias no café da manhã, bocejando de baby doll.
Você pode perguntar: e daí? Daí nada. Só me resta dizer, como todo mortal: Ave Marilyn.