Blog do Daniel Benevides

O pior Almodóvar

Daniel Benevides

O problema de ver um filme muito depois da estreia, ou, como é o caso, depois que saiu dos cinemas (além, é claro, do fato de ver numa tela bem menor), é que as expectativas – boas ou ruins – vão se acumulando. E aí a decepção ou a boa surpresa podem ser maiores, e até bem maiores.

Aluguei A pele que habito com uma montanha de boas expectativas, já que acompanho os filmes do Almodóvar desde o começo da sua carreira – um dos meus favoritos é justamente o Maus hábitos, o anárquico longa de 1983 (caso raríssimo em que o título nacional é ainda melhor do que o original, Entre tinieblas).

As primeiras cenas até me animaram, com seus belos enquadramentos de bisturis e outros instrumentos cirúrgicos e a sensação de algo sinistro e ao mesmo tempo abstrato, como se a composição dos objetos transcendesse seu significado. As cores clínicas, meio azuladas, dão a impressão de falso conforto, prenúncio de algo inumano, de algum tipo de terror bizarro e estranhamente sereno.

Tudo isso se confirma, mas com um problema: ao contrário dos demais filmes de Almodóvar, não há uma gota de humor naqueles frascos e seringas. Maior qualidade do mestre espanhol, a mistura de ironia kitsch e melodrama não aparece em A pele que  habito (a não ser que se considere engraçada a canastrice de Antonio Banderas). Alguma graça chega a se insinuar no ritmo apressado das falas de Marisa Paredes, que parece estar sempre encarando o absurdo como se estivesse pechinchando legumes na feira – mas que na verdade está à beira de um ataque de nervos. Só que esbarra na beleza trágica da atriz Elena Anaya. Ela é tão intensa e sofrida, que nem mesmo a piada do nome vinga (Vera Cruz, a terra virgem descoberta).

A história batida do médico obcecado pela morte da mulher traz ecos de Frankenstein e Vertigo (Um corpo que cai), mas perde-se nas esquinas tortas do roteiro (nem por isso menos previsível).  Tudo é triste, incômodo, fácil. Pastiche solene (se é que isso é possível) do estilo que o próprio Almodóvar consagrou, A pele que habito parece daqueles filmes que se termina (de ver, de rodar) só por terminar – dá para imaginar o desânimo da equipe e dos atores durante as filmagens. Já os espectadores  se apegam aos longos 120 minutos, num voto teimoso de fidelidade ao diretor.