Blog do Daniel Benevides

Arquivo : Keith Richards

50 é pouco*
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Daniel Benevides

Sou suspeito, pois gosto muito, mas continua sendo difícil pensar uma banda de rock melhor que os Rolling Stones. Formada há exatos 50 anos, em 1962, pelos amigos Mick, Keith e Brian Jones, era basicamente uma banda de covers, jovens brancos ingleses tentando imitar negros americanos. O primeiro show foi no Marquee, em Londres, alguns ensaios depois. Tocavam músicas de Chuck Berry e Bo Diddley, entre outros. Bill Wyman e Charlie Watts ainda não faziam parte do grupo, mas logo entrariam para o time lendário. À parte alguns momentos constrangedores nos anos 90 e 00, nunca deixaram as pedras criarem limo, como proclamavam no nome, tirado de uma música do ídolo Muddy Waters. Continuaram e continuam rolando, mesmo com todas as brigas, drogas e o peso da idade.

Tudo já foi dito sobre eles, por outros e eles mesmos (como no livro According to the Rolling Stones). Foram fotografados em todas as situações, das mais glamourosas às mais patéticas. A expressão sexo, drogas e rock’n roll surge por causa deles (se não é verdade, é ben trovatto). A boca de Jagger virou a logomarca mais conhecida do mundo e a postura de Keith um símbolo do cool largado, autêntico (mas não a ponto de deixar de ficar bilionário). Watts, o caladão, tornou-se um inesperado ícone da elegância, com seu jeito jazzy de tocar. Enfim, o que mais dizer? Tornaram-se arquétipos, a essência do rock e de uma certa forma de ver a vida. E isso é para poucos.

E já que este post é pessoal, resolvi eleger meus discos favoritos dos Stones e os pontos altos de cada um. Vamos lá:

1. Black and Blue (1976)
Uma das capas mais legais da história, com a cara dos cinco na frente, narizes e beiços e olhos caídos, num misto de decadência, malandragem e puro hedonismo. Marca a entrada de Ron Wood na guitarra. É só uma escolha idiossincrática, mas eu gosto.

Pontos altos: Memory Motel, Hot Stuff e Melody (sem contar a bela cover de Cherry Oh Baby)

2. Sticky Fingers (1971)
Outra capa incrível, feita por Andy Warhol, em que uma calça jeans mostra um volume “animado” (do ator Joe Dalessandro) e traz um zíper de verdade.
É o disco que tem as melhores tramas de guitarras já gravadas pela banda, a cargo de Keith e Mick Taylor, o substituto do finado dandi Brian Jones.

Pontos altos: Wild Horses, Sister Morphine e Brow Sugar

3. Beggars Banquet (1968)
É a volta às raízes do blues depois de uma passagem rápida pela psicodelia.

Pontos altos: Simpathy for the Devil (talvez a melhor do grupo), No expectations e Street Fighting Man

4. Let it Bleed (1969)
Último disco com Brian Jones, marca o fim do período mais sombrio da banda, numa época ditada pela Guerra do Vietnã. É também quando Keith assume o comando.

Pontos altos: Gimme Shelter (outra possível melhor), a cover de Love in Vain e You Can’t always get what you want

5. Some Girls (1978) e Exile on Main Street (1972) empatados
Bom, entre 29 álbuns de estudio, fica difícil não dar um empate. Some Girls, ao lado de Tatto You (de 1981, com Start me up e Waiting on a friend) são os discos que tornaram os Stones uma banda de gigantescos shows em estádios e a mais tocada nas festas. Já o Exile, apesar de as críticas iniciais terem sido bem ruins, foi se tornando o disco favorito nas listas de melhores das revistas especializadas. Gravado no porão da mansão francesa de Keith, em uma série caótica de sessões, traz no entanto, uma coesão que parecia impossível. Coisa de gênio e de quem é abençoado por deus e o diabo.

Pontos altos:  do Some Girls – Miss You e Beast of Burden; do Exile – Sweet Virginia, Rocks off e Happy

Por fim, meu clipe favorito: gravado em super 8 por um mestre da fotografia, Robert Frank.

* também publicado no blog da Cosac Naify


PARA QUÊ SERVEM OS PRÊMIOS?
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Daniel Benevides

Passou uma semana ou quase isso e eu não consigo tirar da cabeça o prêmio dado a Keith Richards de melhor escritor do ano pela revista GQ (a inglesa).

Como fã dele achei divertido. Mas aquilo me incomodou, por mais que o prêmio em si não tenha muita importância.

Talvez porque seja mais um exemplo de como o cinismo e o oportunismo florescem com tanta facilidade no meio cultural (e em todos os outros meios).

Qual deveria ser, afinal, o papel de um prêmio? Em primeiro lugar, incentivar novos talentos, que precisam desse tipo de exposição para serem conhecidos. Em segundo, reconhecer a excelência de um trabalho, seja de um veterano ou de um novato. Qualquer outro motivo me parece pouco honesto.

“Vida”, a autobiografia de Keith, é legal, um adjetivo que significa igualmente legítima e bacana. Mas tá longe de ser literatura, boa ou ruim. A ironia maior é que ele talvez não tenha nem escrito uma linha, já que há um parceiro jornalista no projeto, que teria feita toda a exaustiva pesquisa sobre sua vida.

Keith deve olhar o prêmio na sua estante e rir sozinho. Ainda mais ele, que se diz leitor e já citou James Joyce em entrevistas.

É evidente que a revista quis premiar a si mesma, chamando a atenção do público, buscando a visibilidade pelo choque fácil. Basta ver que deram o prêmio de melhor músico ao renascentista Hugh Laurie, o House (que por acaso também escreve livros). E ele é bom, de fato, mas o melhor? Dificilmente.

A gente vive soterrado pela avalanche midiática diária, que às vezes nem se dá conta de como os valores são frequentemente trocados pelos interesses.

Até o Nobel e em escala menor o Jabuti, vira e mexe surgem com escolhas duvidosas – no caso do Nobel nunca por razões cínicas ou financeiras, mas políticas (ou “humanísticas”), o que também não serve para o debate cultural honesto. O fato de Borges ter apoiado a sangrenta ditadura argentina – fato em si lastimável – não faz com ele deixe de ser o escritor latino-americano mais influente do século 20 e portanto merecedor do Nobel, o qual nunca recebeu (assim como Joyce, Kafka, Proust…a lista é grande).

Eu lembro que o (mais que justamente) cultuado Roberto Bolaño falava de como os prêmios eram importantes pra sua carreira. Por um tempo, eram os prêmios que o sustentavam. Ele chegava a se inscrever, usando pseudônimos, em dois ou três concursos de literatura ao mesmo tempo. E ganhava muitos.

Se a GQ inglesa queria fazer da premiação uma vitrine para si mesma, poderia ao menos criar categorias mais condizentes com seu intuito, originais, engraçadas, divertidas. No lugar deles, eu daria, por exemplo, o prêmio de fato banal mais importante do ano para as fotos da linda Scarlett Johansson. Por três dias, o corpo nu da musa roubou a cena de todas as manchetes do mundo e ainda movimentou o FBI. Afinal, a gente não quer só comida, a gente quer a bunda e os peitos da Scarlett.

Longa vida a a Scarlett e Keith, mas também longa vida aos prêmios autênticos, especialmente os literários – quem já escreveu um livro, sabe como é difícil, solitária e mal remunerada a atividade de Thomas Mann e Patativa do Assaré.


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