PARA QUÊ SERVEM OS PRÊMIOS?
Daniel Benevides
Passou uma semana ou quase isso e eu não consigo tirar da cabeça o prêmio dado a Keith Richards de melhor escritor do ano pela revista GQ (a inglesa).
Como fã dele achei divertido. Mas aquilo me incomodou, por mais que o prêmio em si não tenha muita importância.
Talvez porque seja mais um exemplo de como o cinismo e o oportunismo florescem com tanta facilidade no meio cultural (e em todos os outros meios).
Qual deveria ser, afinal, o papel de um prêmio? Em primeiro lugar, incentivar novos talentos, que precisam desse tipo de exposição para serem conhecidos. Em segundo, reconhecer a excelência de um trabalho, seja de um veterano ou de um novato. Qualquer outro motivo me parece pouco honesto.
“Vida”, a autobiografia de Keith, é legal, um adjetivo que significa igualmente legítima e bacana. Mas tá longe de ser literatura, boa ou ruim. A ironia maior é que ele talvez não tenha nem escrito uma linha, já que há um parceiro jornalista no projeto, que teria feita toda a exaustiva pesquisa sobre sua vida.
Keith deve olhar o prêmio na sua estante e rir sozinho. Ainda mais ele, que se diz leitor e já citou James Joyce em entrevistas.
É evidente que a revista quis premiar a si mesma, chamando a atenção do público, buscando a visibilidade pelo choque fácil. Basta ver que deram o prêmio de melhor músico ao renascentista Hugh Laurie, o House (que por acaso também escreve livros). E ele é bom, de fato, mas o melhor? Dificilmente.
A gente vive soterrado pela avalanche midiática diária, que às vezes nem se dá conta de como os valores são frequentemente trocados pelos interesses.
Até o Nobel e em escala menor o Jabuti, vira e mexe surgem com escolhas duvidosas – no caso do Nobel nunca por razões cínicas ou financeiras, mas políticas (ou “humanísticas”), o que também não serve para o debate cultural honesto. O fato de Borges ter apoiado a sangrenta ditadura argentina – fato em si lastimável – não faz com ele deixe de ser o escritor latino-americano mais influente do século 20 e portanto merecedor do Nobel, o qual nunca recebeu (assim como Joyce, Kafka, Proust…a lista é grande).
Eu lembro que o (mais que justamente) cultuado Roberto Bolaño falava de como os prêmios eram importantes pra sua carreira. Por um tempo, eram os prêmios que o sustentavam. Ele chegava a se inscrever, usando pseudônimos, em dois ou três concursos de literatura ao mesmo tempo. E ganhava muitos.
Se a GQ inglesa queria fazer da premiação uma vitrine para si mesma, poderia ao menos criar categorias mais condizentes com seu intuito, originais, engraçadas, divertidas. No lugar deles, eu daria, por exemplo, o prêmio de fato banal mais importante do ano para as fotos da linda Scarlett Johansson. Por três dias, o corpo nu da musa roubou a cena de todas as manchetes do mundo e ainda movimentou o FBI. Afinal, a gente não quer só comida, a gente quer a bunda e os peitos da Scarlett.
Longa vida a a Scarlett e Keith, mas também longa vida aos prêmios autênticos, especialmente os literários – quem já escreveu um livro, sabe como é difícil, solitária e mal remunerada a atividade de Thomas Mann e Patativa do Assaré.