Blog do Daniel Benevides

Categoria : Livros

Bagunça sagrada
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Daniel Benevides

Não seria mau criar uma religião para arrumar os livros que teimam em se acumular nas paredes, em pilhas verticais, horizontais e diagonais, e despencam na cabeça com frequência bem maior que os meteoros. Mas teria de ser uma religião politeísta e onitolerante. Assim, os autores-deuses teriam seu lugar garantido na frente da estante e jamais seriam jogados fora.

Já os escritores terrenos, não sendo “de referência”, poderiam passar para as fileiras do fundo, no purgatório de madeira, ou, caso já bem lidos, ser gentilmente doados, não por desprezo teológico, mas porque o espaço e o tempo, como sabemos, são relativos (ou, diante das novas experiências, pós-relativos). O milagre da arrumação seria uma realidade empírica e até cientificamente comprovada.

Bastaria ser um devoto fanático, para eliminar o apego às coisas pedestres e tornar compulsório o estudo das escrituras sagradas. Estas, é claro, variariam de acordo com o fiel seguidor e com o estágio de vida de cada um.

No meu caso, as escrituras certamente estariam longe de ser sagradas no sentido pontifícico. Após um escrutínio íntimo e saudavelmente leviano, vi que meus deuses, ao menos nessa semana, seriam Beckett, Bolaño, Ballard, Tolstoi, Szymborska, Drummond, Kundera (como ensaísta), os Roth (Philip e Joseph), Vittorini, Duras, Carrère e Le Clézio.

Mas, como eu disse, varia. Nada impede que, daqui a um mês ou dois, Dalton Trevisan, Pynchon, Musil e Coetzee subam ao Olimpo das prateleiras que ficam mais ao alcance da mão. Aliás, Coetzee, pensando bem, já está. Assim como os caros Tony Judt, Bertrand Russell e Fausto Wolff.

O importante mesmo é identificar os mortais – especialmente os já lidos, e dispensá-los com leveza na alma, sem culpa nem arrependimento.

Sempre teremos a opção digital, no caso de querermos ressuscitá-los, por alguma razão afetiva (dedicatória, presente, guilty pleasure, amizade com o signatário da obra) ou erro de não-canonização. Lázaros literários, teriam sua segunda chance na ponta dos dedos. A justiça divina estaria resguardada.


Algumas conexões entre rock e literatura
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Daniel Benevides

Nick Cave e seu divertido e selvagem A morte de Bunny Munro

Há quem considere o rock “burro”, inculto, tosco. De fato, muitas bandas são assim – dentre elas, algumas das melhores (pense em Ramones, Black Sabbath ou AC/DC). Muito do rock, afinal, rola à base de testosterona juvenil, explosão adolescente, sexo pelo sexo e drogas pelas drogas. Até aí, nada de novo e nada de mal.

Mas há também bandas e cantores que se filiam a uma vertente mais “cabeça”, “sensível”, “literária”. As aspas são necessárias, pois há um oceano entre o poeta e escritor Leonard Cohen, autor de dois romances e vários livros de poesia,  e, por exemplo, o Steppenwolf, boa banda de hard rock, cuja conexão com a literatura está apenas no nome, tirado de O Lobo da Estepe, clássico hippie do Herman Hesse.

No fim das contas, à parte Cohen, Dylan, Lou Reed, Patti Smith, Serge Gainsbourg e Tom Waits (pra citar só alguns dos autênticos “roqueiros literatos”) é curioso ver que o escritor alemão/suiço de Sidarta e O jogo das contas de vidro não é o único a batizar bandas de rock.

Nosso caro Bruno Schulz, por exemplo, um dos mais interessantes escritores do século XX, autor cultuado de Lojas de Canela e Sanatório, inspirou uma banda polonesa. Que, por sinal, é bem razoável, na praia do rock dito alternativo. Dá uma olhada:

Outros exemplos? Dos clássicos há The Doors, nome tirado do livro As portas da percepção, de Aldous Huxley (que por sua vez tirou o título do poeta William Blake);  Steely Dan e Sof Machine escolheram seus nomes a partir da obra de William Burroughs (não à toa, um dos heróis do underground musical), e o The Fall (uma das minhas favoritas) inspirou-se em A Queda, de Albert Camus.

Dos menos conhecidos, há a Vulgue Tolstoi, banda brasileira, a House of Love (nome de um livro da Anais Nin), o outrora famoso Bronski Beat (Bronski é um personagem de O Tambor, livro do Nobel Gunther Grass) e a Birthday Party (outra das favoritas, nome de uma peça do Harold Pinter), primeira banda do Nick Cave (também um cara autenticamente “literário”, autor de dois romances).

Tem até duas bandas chamadas The Bell Jar, mesmo nome do livro em prosa da poeta Sylvia Plath: uma pseudo-Echo and the Bunnyman e a outra tipo death metal.

Claro que o genial Faulkner não ficaria de fora. O ótimo grupo Pylon, que foi uma referência para o R.E.M. do começo, foi batizado com o título de um livro do mestre William F, apreciador de belas pernas, uísque e belas letras. O mesmo fez a banda As I lay Dying, que nunca ouvira falar. Dando uma youtubada, deu para entender o porquê:  é trash metal genérico (que me perdoem os fãs, que não parecem poucos).

Para finalizar, tem a minha adorada The Triffids, injustamente esquecida banda australiana, cujo batismo surgiu da leitura do romance pós-apocalíptico The Day of the Triffids, uma espécie de Guerra dos mundos escrita pelo inglês John Wyndam. David MacComb, o grande vocalista e letrista morreu muito jovem, em 1999.

Bom, mais uma, vai – e outra australiana, também das preferidas deste escriba: The Go-Betweens, do chapa Robert Foster. O nome vem do clássico de L.P.Hartley, que já deve ter virado filme, série da BBC etc.


50 é pouco*
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Daniel Benevides

Sou suspeito, pois gosto muito, mas continua sendo difícil pensar uma banda de rock melhor que os Rolling Stones. Formada há exatos 50 anos, em 1962, pelos amigos Mick, Keith e Brian Jones, era basicamente uma banda de covers, jovens brancos ingleses tentando imitar negros americanos. O primeiro show foi no Marquee, em Londres, alguns ensaios depois. Tocavam músicas de Chuck Berry e Bo Diddley, entre outros. Bill Wyman e Charlie Watts ainda não faziam parte do grupo, mas logo entrariam para o time lendário. À parte alguns momentos constrangedores nos anos 90 e 00, nunca deixaram as pedras criarem limo, como proclamavam no nome, tirado de uma música do ídolo Muddy Waters. Continuaram e continuam rolando, mesmo com todas as brigas, drogas e o peso da idade.

Tudo já foi dito sobre eles, por outros e eles mesmos (como no livro According to the Rolling Stones). Foram fotografados em todas as situações, das mais glamourosas às mais patéticas. A expressão sexo, drogas e rock’n roll surge por causa deles (se não é verdade, é ben trovatto). A boca de Jagger virou a logomarca mais conhecida do mundo e a postura de Keith um símbolo do cool largado, autêntico (mas não a ponto de deixar de ficar bilionário). Watts, o caladão, tornou-se um inesperado ícone da elegância, com seu jeito jazzy de tocar. Enfim, o que mais dizer? Tornaram-se arquétipos, a essência do rock e de uma certa forma de ver a vida. E isso é para poucos.

E já que este post é pessoal, resolvi eleger meus discos favoritos dos Stones e os pontos altos de cada um. Vamos lá:

1. Black and Blue (1976)
Uma das capas mais legais da história, com a cara dos cinco na frente, narizes e beiços e olhos caídos, num misto de decadência, malandragem e puro hedonismo. Marca a entrada de Ron Wood na guitarra. É só uma escolha idiossincrática, mas eu gosto.

Pontos altos: Memory Motel, Hot Stuff e Melody (sem contar a bela cover de Cherry Oh Baby)

2. Sticky Fingers (1971)
Outra capa incrível, feita por Andy Warhol, em que uma calça jeans mostra um volume “animado” (do ator Joe Dalessandro) e traz um zíper de verdade.
É o disco que tem as melhores tramas de guitarras já gravadas pela banda, a cargo de Keith e Mick Taylor, o substituto do finado dandi Brian Jones.

Pontos altos: Wild Horses, Sister Morphine e Brow Sugar

3. Beggars Banquet (1968)
É a volta às raízes do blues depois de uma passagem rápida pela psicodelia.

Pontos altos: Simpathy for the Devil (talvez a melhor do grupo), No expectations e Street Fighting Man

4. Let it Bleed (1969)
Último disco com Brian Jones, marca o fim do período mais sombrio da banda, numa época ditada pela Guerra do Vietnã. É também quando Keith assume o comando.

Pontos altos: Gimme Shelter (outra possível melhor), a cover de Love in Vain e You Can’t always get what you want

5. Some Girls (1978) e Exile on Main Street (1972) empatados
Bom, entre 29 álbuns de estudio, fica difícil não dar um empate. Some Girls, ao lado de Tatto You (de 1981, com Start me up e Waiting on a friend) são os discos que tornaram os Stones uma banda de gigantescos shows em estádios e a mais tocada nas festas. Já o Exile, apesar de as críticas iniciais terem sido bem ruins, foi se tornando o disco favorito nas listas de melhores das revistas especializadas. Gravado no porão da mansão francesa de Keith, em uma série caótica de sessões, traz no entanto, uma coesão que parecia impossível. Coisa de gênio e de quem é abençoado por deus e o diabo.

Pontos altos:  do Some Girls – Miss You e Beast of Burden; do Exile – Sweet Virginia, Rocks off e Happy

Por fim, meu clipe favorito: gravado em super 8 por um mestre da fotografia, Robert Frank.

* também publicado no blog da Cosac Naify


O pior Almodóvar
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Daniel Benevides

O problema de ver um filme muito depois da estreia, ou, como é o caso, depois que saiu dos cinemas (além, é claro, do fato de ver numa tela bem menor), é que as expectativas – boas ou ruins – vão se acumulando. E aí a decepção ou a boa surpresa podem ser maiores, e até bem maiores.

Aluguei A pele que habito com uma montanha de boas expectativas, já que acompanho os filmes do Almodóvar desde o começo da sua carreira – um dos meus favoritos é justamente o Maus hábitos, o anárquico longa de 1983 (caso raríssimo em que o título nacional é ainda melhor do que o original, Entre tinieblas).

As primeiras cenas até me animaram, com seus belos enquadramentos de bisturis e outros instrumentos cirúrgicos e a sensação de algo sinistro e ao mesmo tempo abstrato, como se a composição dos objetos transcendesse seu significado. As cores clínicas, meio azuladas, dão a impressão de falso conforto, prenúncio de algo inumano, de algum tipo de terror bizarro e estranhamente sereno.

Tudo isso se confirma, mas com um problema: ao contrário dos demais filmes de Almodóvar, não há uma gota de humor naqueles frascos e seringas. Maior qualidade do mestre espanhol, a mistura de ironia kitsch e melodrama não aparece em A pele que  habito (a não ser que se considere engraçada a canastrice de Antonio Banderas). Alguma graça chega a se insinuar no ritmo apressado das falas de Marisa Paredes, que parece estar sempre encarando o absurdo como se estivesse pechinchando legumes na feira – mas que na verdade está à beira de um ataque de nervos. Só que esbarra na beleza trágica da atriz Elena Anaya. Ela é tão intensa e sofrida, que nem mesmo a piada do nome vinga (Vera Cruz, a terra virgem descoberta).

A história batida do médico obcecado pela morte da mulher traz ecos de Frankenstein e Vertigo (Um corpo que cai), mas perde-se nas esquinas tortas do roteiro (nem por isso menos previsível).  Tudo é triste, incômodo, fácil. Pastiche solene (se é que isso é possível) do estilo que o próprio Almodóvar consagrou, A pele que habito parece daqueles filmes que se termina (de ver, de rodar) só por terminar – dá para imaginar o desânimo da equipe e dos atores durante as filmagens. Já os espectadores  se apegam aos longos 120 minutos, num voto teimoso de fidelidade ao diretor.


Nessa Páscoa, dê livros comestíveis
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Daniel Benevides

O índice de leitores está caindo, afirma uma nova pesquisa. Não li a pesquisa inteira (e espero não piorar o índice com isso), mas o resultado me deixou alarmado. Em conversa com o escritor Ronaldo Bressane, numa ruidosa festa de bebês (futuros não-leitores?), nos sentimos como animais em extinção. Se três livros por ano já credencia um cidadão ao título de leitor, certamente somos loucos, ao ritmo de um por semana, verdadeiros leitorossauros. De acordo com meu amigo, nem mesmo os jornalistas, espécie da qual participamos, com graus variados de convicção, têm o costume de abrir livros ou e-books e fechá-los depois de lido o ponto final. Tornou-se hábito exótico. Seremos estudados um dia? Imagino o fóssil de um leitor com um iPad na mão, lendo Os Imperfeccionistas, sátira implacável e genial aos …jornalistas! (Que nem por isso lhes despertou a atenção, ao que parece). Nada mal. Só não sei se a prática da leitura será vista como um costume salutar, que se perdeu, ou algo definitivamente estranho à nossa evolução, à essa altura já totalmente dirigida para práticas mais produtiva.

Certo é que o desespero já toma conta dos poucos defensores dessa espécie em extinção, os leitorossauros. Desespero em forma de bom humor, esperamos. Aliás, o que é o humor senão uma tradução palatável do desespero? Kafka que o diga. Mas quem é mesmo esse cara? Bom, então aí vai a dica para a Páscoa: livros de culinária comestíveis. Um exemplo perfeito da comunhão de forma e conteúdo. Pena que o bode Orelana já se tenha ido. Ele comeria toda a coleção, e só não encomendaria mais, porque talvez ainda preferisse – santa teimosia! – um clássico bojudo de Thomas Mann ou Guimarães Rosa. Bon appétit!

 


Leonard Cohen, o monge hedonista
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Daniel Benevides

Encontrei na internet esse texto, que eu tinha escrito para a revista Vida Simples, para a qual eu colaboro com duas páginas sobre música há anos. Achei legal resgatá-lo, não só por causa do disco novo, o ótimo Old Ideas, mas também por conta da primeira edição brasileira de A brincadeira favorita, que acaba de ser lançada. Por alguma razão ta faltando o primeiro parágrafo, em que eu descrevia sua casa simples, caiada de branco, em que ele vivia na paradisíaca Hydra, ilha grega, ponto de encontro de artistas e bom-vivants nos anos 60.


Leonard Cohen tinha 25 anos e já havia lançado o primeiro livro de poemas, o elogiado Let Us Compare Mytologies, escrito aos 22, em 1956. Uma bolsa de estudos o levou para Londres, mas, desanimado pelo clima úmido, acabou se refugiando em Hydra, na Grécia, lugar festejado por alguns artistas e escritores (como Henry Miller, que descreveu sua beleza “nua e selvagem”). Foi nessa paisagem de luz e prazer, cercado de amigos e belas mulheres, ao som de acordeão e bouzuki (um típico instrumento grego), que se formou o compositor de “músicas para cortar os pulsos”, como o descreveu, ligeiramente maldoso, um jornalista.

A busca

De fato, Cohen nunca escondeu a depressão, e sua busca espiritual através do judaísmo e mais tarde do budismo, além do uso de antidepressivos, deixa clara a angústia. Mas o fino senso de humor e o charme modesto e sedutor de certa forma amenizavam a melancolia estampada em seus textos. Conseguia, como poucos, aliar na vida e obra a espiritualidade severa, disciplinada, ao hedonismo sensual, romântico, uma tarefa aparentemente impossível, mas que determinou seu estilo único.

Em Hydra, Leonard ainda escreveu três livros de poesia e dois romances. O primeiro, The Favorite Game (1963), é um relato autobiográfico de seus tempos de estudante em Montreal, onde nasceu, de pais judeus – seu avô era rabino e tinha escrito um volumoso livro de interpretações do Talmude. O segundo, The Beautiful Losers (1966), recebeu elogios da crítica, que o rotulou de “o mais ousado jovem escritor do momento”, por causa do erotismo explícito e nada ortodoxo do livro, além da originalidade formal. O livro se tornou um best-seller no Canadá e nos EUA.

O passo seguinte foi se mudar para Nova York, onde se hospedou no mítico Chelsea Hotel (cenário de uma de suas canções mais famosas, Chelsea Hotel Nº 2, em que descreve um encontro com Janis Joplin, um de seus inúmeros casos na época) e se tornou um observador da ebulição que animava a Factory, de Andy Warhol. E compunha inspirado pela própria vida, a Bíblia e os poemas flamencos de Garcia Lorca, seu grande ídolo.

A consagração

O primeiro disco, Songs of Leonard Cohen (1968), era chamado de “blues europeu”, não chegou a emplacar nos EUA, mas foi bem na parada inglesa e no resto da Europa, fato que iria se repetir, mais ou menos regularmente, com os discos seguintes. Na França, dizia-se até que se uma francesa tivesse um só disco, certamente seria um disco seu.

À essa altura, ele já fazia grandes turnês, em que mergulhava no vinho, nas mulheres e nos entorpecentes (ou estimulantes, de acordo com o caso). Era um período de autodestruição, muita confusão mental e hedonismo. Cohen (que nunca se casou) vivia um relacionamento difícil com Suzanne Elrod, mãe de seus dois filhos, Adam e Lorca.

A virada

Foi então que ele conheceu Roshi, um mestre do budismo zen, que seria um amigo valioso pelo resto da vida e determinaria sua decisão, por volta de 1994, quando estava prestes a fazer 60 anos, de se tornar monge e viver por seis anos no centro budista de Mt. Baldy, em Los Angeles, trabalhando como motorista e cozinheiro. Lá ele foi rebatizado como Jikan, que significa “o silencioso”. A aparente contradição está em perfeita harmonia com sua personalidade, que nunca cedeu às expectativas dos outros e sempre manifestou um gosto pela ambiguidade, ou, em outras palavras, por colocar mais questões do que respondê-las, de forma gentilmente provocativa.

A influência de Roshi se estendeu para sua obra, que deixou um pouco de lado o humor quase sarcástico do álbum de 1974, New Skin for the Old Ceremony, que surpreendeu pela variação de temas, arranjos e ritmos, e os equívocos de Death of a Ladies Man (1977), que trazia Bob Dylan e Allen Ginsberg nos backings de uma canção e Suzanne na capa. Em Recent Songs (1979) e principalmente em Various Positions, gravado depois de um longo período de reavaliação, em 1984, Cohen desaparece para em seu lugar surgir um compositor ainda mais sutil e profundo, com canções de grande “sensualidade espiritual”, como a belíssima Hallelujah, o que levou Dylan a comentar que eram como orações.

O tempo como cozinheiro do mestre e amigo Roshi, em que acordava todos os dias às 3 da manhã para trabalhar e meditar, rendeu um livro de poemas e desenhos, The Book of Longing, e um novo disco depois de nove anos. Ten New Songs (2001), meio soul, meio gospel, foi gravado em sua garagem e escrito em parceria com uma de suas backing vocals, Sharon Robinson. O reflexivo Dear Heather, três anos depois, traz letras mais diretas e uma voz mais rouca e sussurrada. É o efeito dos cigarros e de 70 anos bem vividos. Sobre a idade, aliás, ele disse, com serena sabedoria: “À medida que você envelhece, passa a ter menos interesse pela nova versão da realidade”.

No entanto, uma versão desagradável da realidade bateu-lhe à porta, na forma de um rombo de milhões em sua conta. Sua antiga empresária se aproveitou de sua ausência nos anos de monastério e roubou tudo o que pôde. A solução, benéfica para os fãs, foi partir numa longa turnê. Um dos shows, em Londres, foi gravado e lançado recentemente no Brasil (Live in London). Um álbum duplo, com tudo o que de melhor ele compôs.


Façamos sexo, não BBB
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Daniel Benevides

Acho que vou chover no molhado, mas não custa repetir: em vez de perder tempo com as desventuras sexuais dos personagens casa vez mais ordinários do BBB, por que não ganhar tempo com a própria vida e fazer sexo de verdade? O BBB não vale nem o voyeurismo – na boa, se estiver sozinho (ou mesmo acompanhado) melhor olhar pela janela, ler Sade, Henry Miller, Bataille, D.H.Lawrence, ou alugar um clássico como Atrás da porta verde e Dama do lotação (o mais recente Cidade Baixa também serve).

Há muito o BBB deixou de ser um recorte da vida para ser um retrato da mediocridade da vida. Difícil acreditar que tantas pessoas queiram mesmo ver um bando de gente sem graça enchendo a cara por tédio, vergonha ou contrato pra depois se esfregarem debaixo das cobertas. Estupro? Sim, ao que parece – e acho que, confirmada a impressão, o cara deveria ser não apenas expulso desse kitsch motel coletivo, como eventualmente ser indiciado. O fato é que, com o risco de parecer moralista ou antigo, mas desde já ressaltando que falo do ponto de vista exclusivamente estético e existencial, o programa “em si” é um estupro.

Tudo bem, até dá pra dar umas boas risadas ou extrair alguma lição antropológica – mas para isso bastam cinco minutos. Mais é querer pastar nessa virtual vida bovina. Por tudo isso, sugiro um flash mob mais prazeroso do que o habitual: a cada vez que o BBB entra no ar, façamos sexo de verdade. Pegue sua bela namorada, seu belo namorado, amigas ou amigos dispostos, sua imaginação ou estimulantes criativos, e mandem bala, de preferência com a TV desligada e um Serge Gainsbourg ou Marvin Gaye na vitrola, CD ou iPod.

 

Marilyn Chambers, estrela de Atrás da porta verde



Os melhores do jazz e da eletrônica
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Daniel Benevides

Matthew Shipp

Como prometido, depois dos melhores discos nacionais e estrangeiros, duas microlistas com a seleção de cinco álbuns de jazz, feita por mim, e cinco de eletrônicos, pelo parceiro Gui Werneck:

Jazz:

Matthew Shipp – The Art of the Improviser
Miles Davis Quintet – Live in Europe 1967: The Bootleg Series Vol. 1
Vijay Iyer, Prasanna e Nitin Mitta – Tirtha
Joe Lovano Us Five – Bird Songs
Ambrose Akinmusire – When the Heart Emerges Glistening

Eletrônicos:

Ricardo Villalobos and Max Loderbauer – Re:ECM
James Ferraro – Far Side Virtual
Rustie – Glass Swords
Zomby – Dedication
Kode 9 e Spaceape – Black Sun

Ricardo Villalobos e Max Loderbauer


Os melhores discos gringos de 2011
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Daniel Benevides

PJ Harvey

Se ontem deu pra montar uma lista só entre meus favoritos e os do Guilherme Werneck, na hora de escolher os gringos foi bem diferente. Muita coisa, né?  Só coincidimos na grande PJ Harvey. Então resolvi publicar as listas separadamente (fiz com 11, de novo como um time). O engraçado é que, no fim das contas, gosto muito de quase tudo o que ele escolheu – o Sun Araw, o Kurt Vile e o Black Keys entrariam fácil na minha seleção. E, pelo que ele me disse, a recíproca é verdadeira. Então, fica como se fosse uma listona de 20 melhores:

A do Gui:

Ravedeath 1972 – Tim Hecker
PJ Harvey – Let England Shake
Black Keys – El Camino
Battles – Gloss Drop
White Denim – D
Zola Jesus – Conatus
Kurt Vile – Smoke Ring for my Halo
R.E.M. – Collapse Into Now
Sun Araw – Ancient Romans
Metronomy – The English Riviera

A minha:

PJ Harvey – Let England Shake
tUnE-yArDs – whokill
Frank Ocean – nostalgia, ULTRA
The War on Drugs – Slave Ambient
Bon Iver – Bon Iver
DJ Quik – The Book of David
Tom Waits – Bad as Me
Oneohtrix Point Never – Replica
Tinariwen – Tassili
Beirut – The Rip Tide
Shabazz Palaces – Black Up


SELEÇÃO MUSICAL BRASILEIRA 2011
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Daniel Benevides

Guilherme Werneck (editor-executivo do site da MTV) é meu amigo desde que trabalhamos juntos no site da Trip, há dois anos. Mas é como se nos conhecêssemos há uns 30. Ao menos quando a gente fala de música. Dá pra ficar horas e horas lembrando de bandas e nomes ao som do gelo no uísque e das melhores, mais variadas, familiares e estranhas músicas do planeta.

Outro forte ponto em comum é o gosto pelas listas. Bem, gosto talvez não seja exatamente a palavra; obsessão cairia melhor. Porque é um tal de “putz, esqueci de por fulano ou sicrano na lista!” e “peraí, ainda dá pra mudar?” Foi assim em 2009 e no ano passado, quando, depois de semanas de debates (sempre agradáveis, diga-se), fechamos os 50 melhores discos de cada ano.

As listas, como quaisquer listas, provocaram certa celeuma, tachadas de elitistas, coisa de nerd etc. Nada mais eram do que o retrato de dois gostos pessoais e idiossincráticos e, principalmente, muito diversos, indo de dub a folk, de samba a ambient, de rap a noise, de jazz a rock húngaro, de minimalistas a pop turco, de mangue bit a afrobeat sem nenhuma distinção. A gente literalmente ouve tudo (salvo talvez sertanejo – lembrando que Pena Branca e Xavantinho é música caipira!)

Dessa vez optamos por um perfil mais light, mais acessível, selecionando discos mais universalmente palatáveis e que não são difíceis de encontrar. Especialmente entre os internacionais, já que os nacionais estão ao alcance de quem realmente se dispuser a procurar – quase todos podem, inclusive, ser baixados no site dos artistas (é só clicar nos nomes abaixo), algo que já está virando praxe e mudando muito a cena do mercado musical.

Por uma questão de espaço, resolvi separar nacionais e internacionais em duas listas de onze, como um time. E, de bônus, duas microlistas de cinco, com eletrônicos (selecionados pelo Gui) e jazz (por mim).

Seguem então, os onze canarinhos do nosso escrete musical de 2011. (E amanhã, os gringos!)


1. Criolo – Nó na Orelha
2. Karina Buhr – Longe de Onde
3. Bixiga 70 – Bixiga 70
4. Wado – Samba 808
5. Gal Costa – Recanto
6. Gui Amabis – Memórias Luso/Africanas
7. Passo Torto – Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral
8. Lirinha – Lira
9. Junio Barreto – Setembro
10. Emicida, Beatnik e K-Salaam – Doozicabraba e a Revolução Silenciosa
11. Domenico Lancelotti – Cine Privê e Caçapa – elefantes na Rua Nova (empatados)