Os metais de Herbie Hancock, o alquimista
Daniel Benevides
Conversei com Herbie Hancock há mais de um mês, para uma entrevista que saiu na revista Serafina, da Folha. Do texto final ficou de fora um trecho em que ele explica, em detalhe, como montou a seção de metais inovadora no disco Speak like a Child, que ele diz ser seu favorito:
Chamei alguns músicos em que confio, como o Joe Zawinul, e disse que eu queria um instrumento agudo que pudesse tocar as notas mais baixas, um médio e um grave que fosse capaz de atingir as mais altas. Ele me aconselhou a usar a flauta contralto, que vai mais baixo que a flauta normal e o flughehorn, que é bom porque se mistura bem, não fica ''grudando''. Aí pensei em fechar o trio com a tuba, mas o Miles (Davis) me soprou no ouvido: ''por que você não experimenta o trombone baixo? Tem dois rotores, atinge as notas mais baixas e as mesmas que o trombone normal.''
Escolhidos os instrumentos, decidi que não queria uma harmonia simétrica, paralela, com os metais tocando as mesmas notas, eu queria que cada um seguisse uma linha diferente, como nos arranjos do Gil Evans, que eu adoro (às vezes ele colocava a tuba tocando a mesma melodia do baixo, o que causava um belo efeito). E então o Zawinul me aconselhou a fazer cada parte cantável, e para eu não me preocupar se isso atropelasse a harmonia, pois, segundo ele, não vai parecer um erro, por conta da força da melodia.
Para complicar, ele sugeriu também que eu não compusesse ao piano, que eu usasse apenas minha cabeça. Tipo Beethoven! (risos) Tinha de ser muito cuidadoso, muito específico, foi muito desafiador e… funcionou! E aconteceram coisas novas no estúdio também. Quando o Thad Jones (flueghhorn) estava tocando a escala cromática para esquentar, percebi que ele botava o acento em outras notas, o que adorei e pus no disco. Enfim, o principal é que tudo soasse diferente, como uma orquestra, e deu certo!
PS: tentei traduzir as expressões técnicas da melhor maneira que pude, se houver algum erro, me corrijam, por favor!